Diante das informações noticiadas no início de dezembro sobre a suspensão no edital para escolha de instituição responsável pela administração dos Postos de Saúde de Porto Alegre – RS, a Associação Nacional de Fundações Estatais de Saúde (ANFES), vem por meio deste artigo, mais uma vez, reforçar o seu posicionamento em defesa do modelo de gestão das Fundações Estatais de Saúde (FES).

Em 08 de dezembro de 2022, a Secretaria Municipal de Porto Alegre divulgou nota informando a revogação do edital de chamamento público para operação de 132 unidades de Atenção Primária no município, alegando erro no edital. De acordo com nota divulgada pela equipe da Prefeitura, o critério de julgamento teria “limitado a participação de organizações não governamentais sem fins lucrativos”.

O processo já estava em fase final e três instituições haviam sido definidas para a gestão das unidades de saúde. Porém, de acordo com matéria publicada pelo portal GZH Porto Alegre, a suspensão da disputa pode estar ligada ao fato de que uma das organizações vencedoras, o IB Saúde, é alvo de operação da Polícia Federal que investiga fraudes em contratos na área da saúde.

Tais fatos nos fazem refletir sobre os problemas no modelo de gestão adotado pela Prefeitura de Porto Alegre para a prestação de serviços nos postos de saúde do município, implementada por meio de contratação com organizações sociais.

Vale relembrar aos gestores públicos que a Constituição Federal de 1988 estabelece que a garantia do direito à saúde é um dever do Estado, e preconiza a prioridade da execução de ações e serviços de saúde diretamente pelo poder público, no que se delineia o Sistema Único de Saúde (SUS), autorizando-o – em caráter complementar e suplementar – também através de terceiros, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, o que viabiliza a integralidade da prestação desse bem jurídico essencial.

A viabilizar esse dever, encontramos também na Constituição, mais especificamente no art. 37, inciso XIX, os instrumentos institucionais para essa prestação, dentre os quais as parcerias com organizações sociais – que ingressam na categoria dos “terceiros”. Todavia, antes do socorro a terceiros, através das estruturas integrantes do SUS, tais como, para além da administração direta – Ministério e Secretarias de Saúde – a administração indireta, que contempla as autarquias, empresas públicas, fundações públicas sob regime de direito público, bem como as fundações públicas sob regime de direito privado (Fundações Estatais).

As Fundações Estatais de Saúde constituem um modelo jurídico institucional que integra a estrutura da administração pública, atendendo ao critério constitucional prioritário da execução direta das ações e serviços de saúde, porém sob um regime privado – que permite mecanismos de flexibilidade dos instrumentos de gestão (sem preterir a observância aos princípios gerais da administração pública – art. 37, caput da Constituição Federal), na medida que atuam por meio de contratualização com o poder público. É o contrato de gestão que define objeto, escopo, metas e resultados pretendidos, com vistas à eficiência.

Vai-se indagar: ora, também não se pactua um contrato de gestão com as organizações sociais? E a resposta é, por evidente, positiva. A diferença está em que as FES estão dentro da estrutura orgânica do Sistema Único de Saúde.

Pergunta-se: e qual a repercussão? Além de estar-se cumprindo o preceito constitucional de prioridade na execução das ações e serviços de saúde, a fundação estatal conta com o poder público e com a representatividade dos trabalhadores e da sociedade dentro da sua estrutura de Governança, através do conselho curador. Isso significa que é dotada de controle interno e concomitante (accountability e gestão de riscos) dos seus atos.

Ademais, as FES contam com o controle prévio – desde o seu processo de instituição – e concomitante pelo Ministério Público, já que supervisionada pela unidade de curadoria dessa instituição.  Essa temporalidade do controle viabiliza maior dinâmica para prevenir, conter e superar riscos quanto aos objetivos institucionais e contratuais da entidade. Já, as organizações sociais estão sujeitas ao controle a posteriori, quando da prestação de contas do contrato de gestão. Daí porque se vê tantas notícias de detecção de desvirtuamentos quando já há alguma longevidade na execução dos contratos por tais entidades.

Por fim, a contratualização de serviços e ações com as fundações estatais é dotada de maior dinâmica, na medida em que se dá de instância pública para instância pública, não se passando para “terceiros”.

O princípio da eficiência na administração pública não é uma figura autônoma, mas se coloca sob a premissa da legalidade. No caso, a máxima legalidade sob o prisma do delineamento constitucional aponta que as ações e serviços de saúde devem ser prestadas o mais próximo das estruturas estatais. As fundações públicas de direito privado conciliam esses vetores com maior potência.

Por: Janaína Pontes, consultora jurídica da ANFES.